Ser e Ter (Être et avoir)
O filme se passa no interior da
França, retrata uma sala de aula na zona rural um pouco diferente. Um professor
que está quase se aposentando, administra uma turma com idades variadas, entre
quatro e doze anos, ensinando a pequenos grupos, mediando e auxiliando as
potencialidades de cada um. Para Tardif e Raymond (2000, p.210),
Se
uma pessoa ensina durante trinta anos, ela não faz simplesmente alguma coisa,
ela faz também alguma coisa de si mesma: sua identidade carrega as marcas de
sua própria atividade, e uma boa parte de sua existência é caracterizada por
sua atuação profissional. Em suma,
com o passar do tempo, ela tornou-se–aos
seus próprios olhos e aos olhos dos outros–um professor, com sua cultura, seu
éthos, suas idéias, suas funções, seus interesses etc.
E por ser
professor há muitos anos, e ter uma turma pequena, tem a possibilidade, de
conhecer bem cada um de seus alunos, conversando abertamente sobre os assuntos
de sala de aula e também assuntos familiares e pessoais que permeiam este
contexto. Uma das cenas mais marcantes é quando o professor senta e conversa em
particular com uma menina, muito tímida e introvertida, que quase não fala com
a família, mas que sente a vontade para conversar com ele. No próximo ano ela
deixará a escola, então ele fala com ela sobre essa separação. Explica que ela
terá outros professores, outros colegas, e que precisa conversar e se integrar
ao novo grupo. No final da conversa diz que estará sempre disposto a
auxiliá-la, pede para que ela vá visita-lo, para contar como é a nova escola. A
menina, ao mesmo tempo em que, se sente dependente do professor, chora por de
certo modo se sentir sozinha, mas entende que é necessário que cada um siga seu
caminho, e vê que o educador realmente se importa com ela, entende e se
preocupa com seu jeito de ser. Essas cenas retratam que a profissão docente
envolve muitos aspectos, e que compreende basicamente em ver os alunos nas suas
diferenças e singularidades, como seres pensantes, que vivem, se socializam, têm
famílias, problemas, dificuldades e habilidades, cada um a seu modo.
Ser
um bom professor, de acordo com Nóvoa (2017) é algo impraticável de estabelecer.
Na cena referida, o professor tem muitas qualidades em relação a sua profissão,
ele fala com sua voz mansa, questiona, ouve, tenta resolver os conflitos, que
muitas vezes estão além da sala de aula. Ele parece muitas vezes, em sua
metodologia, firme, tradicional, mas age com responsabilidade, despertando as
potencialidades de cada um, reconhecendo as diferenças e criando harmonia no
grupo. De acordo com Nóvoa (2017, p.3) isso se refere ao “Tato pedagógico”:
E
também essa serenidade de quem é capaz de
se dar ao respeito,
conquistando os alunos para o trabalho escolar. Saber conduzir alguém para
a outra margem, o conhecimento, não
está ao alcance de todos. No ensino, as dimensões profissionais cruzam-se sempre,
inevitavelmente, com as dimensões pessoais.
A profissão
docente envolve aspectos que vão além do espaço escolar, envolvendo um
“compromisso social”. É preciso saber como o aluno está e com quem convive,
qual seu real contexto. Como destaca o autor: “Educar
é conseguir que a criança ultrapasse as fronteiras que, tantas vezes, lhe foram traçadas
como destino pelo nascimento, pela família ou pela sociedade. Hoje, a
realidade da escola
obriga-nos a ir além da escola.” (NÓVOA, 2017 p.3).
O
filme é lindo, marcante e faz com que se reflita sobre a própria prática
docente, que consiste num emaranhado de vivências, compromissos, obrigações,
sentimentos, diferenças... Referenciando Nóvoa (2017), a profissão docente envolve
“Prática”, “Partilha”, “Pessoa”, “Público” e “Profissão”. Mas sobre tudo, na
questão de SER professor, tornar-se um bom professor, compreende momentos de
firmeza nos seus atos, de enxergar nos alunos seus problemas, seu contexto,
suas necessidades, suas vontades, seus desejos, suas potencialidades, enfim
enxergar um SER na sua integralidade, educando para a vida em sociedade. Isso é
ser professor, ter consciência de que a educação acontece a partir das trocas e
que nesse processo todos aprendem.
A profissão
docente não consiste em algo pronto, com receitas. Ela é construída na prática,
no fazer pedagógico e na convivência com os educandos. Como Tardif e Raymond (2000, p. 238) corroboram “Ainda hoje, a maioria dos professores diz que aprendem a trabalhar trabalhando.” Professores
e alunos se educam sempre. Na realidade de salas de aula brasileiras, nem
sempre é possível atender todos da maneira como foi exposto no filme, mas é
necessário que se atente ao fato de, compreender os alunos como seres humanos únicos.
Para SER professor é preciso a cima de tudo TER amor pelo que se faz,
enxergando nos alunos, a possibilidade de um futuro melhor, auxiliando-os a ir
além em seu processo de ensino-aprendizagem.
REFERÊNCIAS
NOVOA, Antônio. Para uma formação de professores construída
dentro da profissão. Lisboa: Universidade de Lisboa, s.d. Disponível em:
<http://www.revistaeducacion.educacion.es/re350/re350_09por.pdf>. Acesso
em: 17 abril 2018.
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302000000400013&script=sci_abstract&tlng=pt>.
Acesso em: 17 abril 2018
SER e ter. Direção: Nicolas Philibert. França: 2002. 1 DVD (104
min.). Título original: Être et avoir.
TARDIF,
Maurice; RAYMOND, Danielle. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no
magistério.Educação & Sociedade, ano XXI, n. 73, p. 209-244, dez.
2000. Disponível em: