terça-feira, 17 de abril de 2018

Dica de Filme

Ser e Ter (Être et avoir)

O filme se passa no interior da França, retrata uma sala de aula na zona rural um pouco diferente. Um professor que está quase se aposentando, administra uma turma com idades variadas, entre quatro e doze anos, ensinando a pequenos grupos, mediando e auxiliando as potencialidades de cada um. Para Tardif e Raymond (2000, p.210),

Se uma pessoa ensina durante trinta anos, ela não faz simplesmente alguma coisa, ela faz também alguma coisa de si mesma: sua identidade carrega as marcas de sua própria atividade, e uma boa parte de sua existência é caracterizada por sua  atuação profissional. Em suma, com o passar do tempo, ela tornou-se–aos seus próprios olhos e aos olhos dos outros–um professor, com sua cultura, seu éthos, suas idéias, suas funções, seus interesses etc.


E por ser professor há muitos anos, e ter uma turma pequena, tem a possibilidade, de conhecer bem cada um de seus alunos, conversando abertamente sobre os assuntos de sala de aula e também assuntos familiares e pessoais que permeiam este contexto. Uma das cenas mais marcantes é quando o professor senta e conversa em particular com uma menina, muito tímida e introvertida, que quase não fala com a família, mas que sente a vontade para conversar com ele. No próximo ano ela deixará a escola, então ele fala com ela sobre essa separação. Explica que ela terá outros professores, outros colegas, e que precisa conversar e se integrar ao novo grupo. No final da conversa diz que estará sempre disposto a auxiliá-la, pede para que ela vá visita-lo, para contar como é a nova escola. A menina, ao mesmo tempo em que, se sente dependente do professor, chora por de certo modo se sentir sozinha, mas entende que é necessário que cada um siga seu caminho, e vê que o educador realmente se importa com ela, entende e se preocupa com seu jeito de ser. Essas cenas retratam que a profissão docente envolve muitos aspectos, e que compreende basicamente em ver os alunos nas suas diferenças e singularidades, como seres pensantes, que vivem, se socializam, têm famílias, problemas, dificuldades e habilidades, cada um a seu modo.
            Ser um bom professor, de acordo com Nóvoa (2017) é algo impraticável de estabelecer. Na cena referida, o professor tem muitas qualidades em relação a sua profissão, ele fala com sua voz mansa, questiona, ouve, tenta resolver os conflitos, que muitas vezes estão além da sala de aula. Ele parece muitas vezes, em sua metodologia, firme, tradicional, mas age com responsabilidade, despertando as potencialidades de cada um, reconhecendo as diferenças e criando harmonia no grupo. De acordo com Nóvoa (2017, p.3) isso se refere ao “Tato pedagógico”:

E também essa serenidade de quem é capaz de se dar ao respeito, conquistando os alunos para o trabalho escolar. Saber conduzir alguém para a outra margem, o conhecimento, não está ao alcance de todos. No ensino, as dimensões profissionais cruzam-se sempre, inevitavelmente, com as dimensões pessoais.


A profissão docente envolve aspectos que vão além do espaço escolar, envolvendo um “compromisso social”. É preciso saber como o aluno está e com quem convive, qual seu real contexto. Como destaca o autor: “Educar é conseguir que a criança ultrapasse as fronteiras que, tantas vezes, lhe foram traçadas como destino pelo nascimento, pela família ou pela sociedade. Hoje, a realidade da escola obriga-nos a ir além da escola.” (NÓVOA, 2017 p.3).
            O filme é lindo, marcante e faz com que se reflita sobre a própria prática docente, que consiste num emaranhado de vivências, compromissos, obrigações, sentimentos, diferenças... Referenciando Nóvoa (2017), a profissão docente envolve “Prática”, “Partilha”, “Pessoa”, “Público” e “Profissão”. Mas sobre tudo, na questão de SER professor, tornar-se um bom professor, compreende momentos de firmeza nos seus atos, de enxergar nos alunos seus problemas, seu contexto, suas necessidades, suas vontades, seus desejos, suas potencialidades, enfim enxergar um SER na sua integralidade, educando para a vida em sociedade. Isso é ser professor, ter consciência de que a educação acontece a partir das trocas e que nesse processo todos aprendem.
A profissão docente não consiste em algo pronto, com receitas. Ela é construída na prática, no fazer pedagógico e na convivência com os educandos. Como Tardif e Raymond (2000, p. 238) corroboram “Ainda hoje, a maioria dos professores    diz que aprendem a trabalhar trabalhando.” Professores e alunos se educam sempre. Na realidade de salas de aula brasileiras, nem sempre é possível atender todos da maneira como foi exposto no filme, mas é necessário que se atente ao fato de, compreender os alunos como seres humanos únicos. Para SER professor é preciso a cima de tudo TER amor pelo que se faz, enxergando nos alunos, a possibilidade de um futuro melhor, auxiliando-os a ir além em seu processo de ensino-aprendizagem.  

REFERÊNCIAS

NOVOA, Antônio. Para uma formação de professores construída dentro da profissão. Lisboa: Universidade de Lisboa, s.d. Disponível           em:
<http://www.revistaeducacion.educacion.es/re350/re350_09por.pdf>. Acesso em: 17 abril 2018.
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302000000400013&script=sci_abstract&tlng=pt>.
Acesso em: 17 abril 2018


SER e ter. Direção: Nicolas Philibert. França: 2002. 1 DVD (104 min.). Título original: Être et avoir.

TARDIF, Maurice; RAYMOND, Danielle. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério.Educação & Sociedade, ano XXI, n. 73, p. 209-244, dez. 2000. Disponível em: